Uma mulher negra, grávida de três meses, foi vítima de ofensas racistas, machistas e gordofóbicas depois de entrar no grupo “Graduação da Depressão”, no Facebook, para interagir com outros universitários. Carla Gomes, de 21 anos, de Porciúncula, decidiu comentar em uma postagem que a indignou, com conteúdo discriminatório. Foi o pretexto para uma enxurrada de ofensas a ela, que, de uma hora para outra, viu sua vida pessoal ser invadida por desconhecidos que iniciaram uma perseguição virtual, xingando-a e expondo sua imagem pela rede.
O cardápio de preconceitos foi extenso: racismo, machismo e gordofobia apareceram nas mensagens. Sob uma aparente calma de quem acredita na impunidade, dezenas de jovens — todos membros do grupo — partiram para o ataque contra ela, que se manifestou para alertar que muitas das piadas compartilhadas naquela rede eram discriminatórias. Um dos integrantes do grupo, que se diz estudante de Direito, chega a comentar que sabe que as ofensas na internet não resultam em nenhuma punição para os agressores.
— Eu curtia a página deles, mas não postavam nada demais. Vi que, naquelas sugestões do Facebook, tinha o grupo da mesma página. Como eu estou começando a estudar, pensei que seria legal estar lá, dividindo experiências com outros estudantes. Mas entrei no grupo e vi umas postagens racistas e comentei embaixo de uma delas que achava aquilo errado, que somos todos iguais. Foi então que começaram a me agredir e falar coisas horríveis para mim — conta Carla, que, assustada, desabafou em um vídeo em seu perfil no Facebook, publicação que também foi invadida pelos agressores. O vídeo acabou sendo excluído pelo Facebook após uma série de denúncias, que partiram das mesmas pessoas que ofenderam a estudante.
No “Graduação da Depressão”, a maioria das ofensas era relacionada à cor e ao tipo físico de Carla. O desabafo da estudante viralizou pela internet, mobilizando pessoas que foram até a página defendê-la, mas também não escaparam das agressões. É comum encontrar na página postagens machistas. Muitas meninas que comentavam em defesa de Carla recebiam em troca mensagens como “vai lavar uma louça” ou “feminista fedorenta”. No caso da estudante, o nível dos xingamentos foi ainda pior.
— Me falaram que preto de cabelo ruim não tinha vez naquele grupo, que preto sangue ruim não tinha o direito de estar ali, que eu não valia nada e era apenas uma gorda preta de cabelo duro que tinha que fazer um regime. Foram no meu perfil e fizeram montagem minha. Fizeram piadinha até com a minha gravidez. Me senti ofendida não só pelos ataques a mim, mas senti a dor de muita gente. Eles fazem isso com muita gente, são covardes. Já fui vítima de racismo muitas vezes, mas passaram dos limites. Eu digo que atrás do portão qualquer Chihuahua late. Na minha cara, ninguém fala isso — conta a estudante.
Alguns dos responsáveis por controlar a comunidade usam perfis disfarçados. Depois do caso, o grupo “Graduação da Depressão” passou a ser secreto no Facebook. Só pessoas que já estão nele podem vê-lo ou convidar novos membros. Um dos administradores do grupo se valeu mais uma vez de comentários preconceituosos para falar sobre a mudança: “A partir de agora, só os administradores postam até eu limpar essa corja de feminista imunda e esquerdista vitimista do cabelo ruim”.
Um dos administradores, que pediu para não ser identificado, disse que não era possível controlar o conteúdo publicado por todos os milhares de integrantes, mas afirmou repudiar manifestações racistas e informou que vai tirar a comunidade do ar. A página de mesmo nome, que também é administrada por vários integrantes do grupo, tem mais de 900 mil curtidas e costuma publicar montagens e memes ligados à vida universitária.
Funcionário de delegacia desaconselha registro
Decidida a lutar contra o racismo que a atingiu, Carla decidiu procurar a polícia para denunciar o grupo. Foi quando viveu outra frustração. A jovem conta que ao chegar à 139ª DP, em Porciúncula, foi aconselhada por um funcionário da delegacia a não registrar ocorrência.
— Fui à polícia, mas um cara lá de dentro, que eu não sei qual é o cargo, me aconselhou a não fazer queixa. Disse que não ia dar em nada, que eu era um grão de areia e fazendo isso ia correr riscos, que ia demorar muito. Ele falou um monte de coisa e eu não fiz o boletim de ocorrência. Ele me disse: “Ih, isso vai demorar muito, ainda mais você que tá grávida… Não pode passar por isso. Às vezes tem que achar IP do computador das pessoas, demora muito”. Eu tenho o direito de registrar queixa — reclama Carla, que, resignada, diz que deixou a unidade policial e registrou a denúncia no portal da Polícia Federal, que recebe ocorrências de crimes cibernéticos.
O titular da 139ª DP, Willian Rodrigues Costa, disse desconhecer a história e se colocou à disposição, na delegacia, para atender Carla e qualquer pessoa que for vítima de crimes na internet.
— Ela pode vir aqui me procurar, que vou atendê-la pessoalmente. Eu não fiquei sabendo desse caso, mas vamos ajudar. É um tipo de denúncia que tem que ser feita e estou à disposição dela na delegacia para ajudar — diz o delegado.
Após as ofensas, carinho e apoio
Além das ofensas, Carla recebeu uma série de denúncias por parte dos agressores, que automaticamente fizeram com que ela tivesse o perfil bloqueado temporariamente pelo Facebook. À espera do primeiro filho, a estudante achou até melhor se afastar um pouco da rede. Ela conta que, depois a enxurrada de agressões, recebeu mensagens positivas, de gente que ela nem conhecia.
— Estou recebendo muita mensagem boa, comentário carinhoso. Sei que tem muita gente boa e que quer acabar com isso. O que eles estão falando lá é caso de cadeia, tem que denunciar. Isso tem que parar — conta a gestante.
Fonte: Jornal Extra