Às vésperas das eleições gerais de primeiro turno no Brasil, o padre natividadense Marcos Paulo Pinalli, atual pároco de São João da Barra, além de responsável pelo Tribunal Eclesiástico da Diocese de Campos, pesquisou e escreveu artigo, no qual destaca a postura da Igreja Católica e de seus clérigos (padres e bispos), diante do cenário político atual. O sacerdote, fala sobre o tema a partir da ótica do Código de Direito Canônico. Leia:
A postura da Igreja e do clero nas eleições e na política
O verbo eleger, do latim “eligere” significava na sua origem a “escolha” dos melhores frutos de uma árvore. No século XVIII, na França, usava-se o termo “élite” cujo significado se referia aos produtos de melhor qualidade, porém passou a ser usado como referência a todos aqueles eleitos em certos grupos sociais.
O próprio Romano Pontífice é eleito em Conclave, pelos cardeais para exercer seu múnus livremente, com poder ordinário supremo, pleno, imediato e universal, cf. o cân. 332.
A Igreja não se identifica com nenhuma ideologia ou algum partido político. Podemos ler na Constituição Pastoral “Gaudium et Spes nº 76”, do Beato Papa Paulo VI (que junto com Dom Oscar Romero será canonizado no próximo dia 14 de outubro em Roma) a referência a este tema com a seguinte citação: “A Igreja que, em razão da sua missão e competência, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana.”. Ainda, na mesma Constituição: “Porém, sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade; exercer sem entraves a própria missão entre os homens; e pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das realidades políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem e utilizando todos e só aqueles meios que são conformes com o Evangelho e, segundo a variedade dos tempos e circunstâncias, são para o bem de todos.”
Neste ano de eleições, muitas vezes os fiéis vêm nos pedir orientação com as seguintes indagações: “A Igreja apoia algum partido?”, “A Igreja tem algum candidato?”, como também “Qual candidato eu devo votar?”.
Nestas eleições lemos, vemos e ouvimos posicionamentos diferentes entre bispos e padres com a intenção de orientar os fiéis. Há de fato, como na própria política uma polarização de opinião que deixa muita gente em dúvida. Está então a Igreja dividida? Os bispos e padres que expõe sua opinião, mesmo diferentes entre si, quero crer que, visam o bem comum. Suas análises têm critérios de acordo com a formação que receberam, a história pessoal e experiência pastoral que possuem. A Igreja, enquanto Instituição não está dividida, permanece com a mesma doutrina. Os membros da Igreja sim, têm discordâncias entre o que pensam sobre a política e a eleição.
Outro grupo de fiéis fica incomodado, até mesmo escandalizado quando assuntos como política, paz e justiça social, ideologia de gênero, aborto, divórcio, entre outros são pelos clérigos abordados nas pregações. Há quem, sem conhecimento julga ser desnecessário abordar tais temas e ainda afirmam: “Não tem nada com o Evangelho.” ou “não foi isto que eu vim aqui escutar, pois quero ouvir a Palavra de Deus”. Na Assembleia sempre teremos pessoas com opinião já formada sobre política e outros temas, adeptos desta ou daquela ideologia, cujo pensamento não vai concordar com o do clérigo e até mesmo com o da Igreja.
Bispos e padres são cidadãos com opinião própria, escolhem seus candidatos e votam. Mesmo sendo o voto secreto, não há proibição de dizerem aos fiéis o nome do candidato que vai votar, a não ser pelo direito particular se a autoridade competente proibir por justa razão. Podem apoiar o candidato A ou B. Isto não quer dizer obrigar ou coagir os fiéis, que agem segundo a própria consciência e a liberdade, a votar nos seus candidatos. O voto é livre e secreto, isto é um direito democrático.
O bom senso deve estar presente nas nossas celebrações litúrgicas e no modo de nos expressarmos, sobretudo na Santa Missa. Não é apenas a opinião do clero que vai dividir os fiéis. Muitas vezes já estão divididos.
O pior é o que já vivemos, uma verdadeira “catolicofobia”, onde muitos que se dizem católicos são defensores de ideologias contrarias à sã doutrina da Igreja. Em nome de Direitos e da liberdade querem tirar a liberdade da Igreja de “pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade” (GS,76) dentro do próprio templo, no espaço sagrado. Haja vista o aumento da profanação de muitas Igrejas. Isto pode?
Antes de criticar qualquer posição dos clérigos e expô-los em redes sociais, isto sim provoca divisão na comunidade, esclareça pessoalmente com o padre ou o bispo o seu ponto de vista. O diálogo serve para manifestar o respeito e salvaguardar a liberdade. O próprio Jesus nunca desprezou seus opositores (Fariseus e Mestres da Lei) e dialogava com todos eles. Procure estudar e conhecer os documentos, ensinamentos, a doutrina moral e social da Igreja para afirmar se o clérigo no que falou está contradizendo o Magistério. Como ministros ordenados e fiéis católicos, nossa régua (medida)é o ensinamento da Igreja.
Segue a legislação contida no Código de Direito Canônico sobre as obrigações e direito dos clérigos, no que se refere a partidos políticos e também sobre a homilia a ser proferida tanto pelo bispo, como pelo pároco.
Quanto à participação ativa de sacerdotes em partidos políticos e associações sindicais, cf. segue no cânon abaixo:
Cân. 287 § 1. Os clérigos promovam sempre e o mais possível a manutenção, entre os homens, da paz e da concórdia fundamentada na justiça. § 2. Não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de associações sindicais, a não ser que, a juízo da competente autoridade eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum.
O Pe. Jesus Hortal, ao comentar o cânon acima, compara-o com o Código de 1917, tendo como fundamento a Revista “Communicationes”, cujo conteúdo é a publicação das atas da Pontifícia Comissão para a Reforma do Código de Direito Canônico, o faz nestes termos:
“Desaparece deste cânon a proibição que havia no Código de 1917 e que se conservava no primeiro projeto da comissão de tomar qualquer parte nas “guerras civis e nas perturbações da ordem pública”. A razão dada no seio da comissão da reforma é que “há momentos na história de um país nos quais os clérigos não podem ficar indiferentes”.
O bispo tem o múnus de ensinar, cf. segue no cânon abaixo:
Cân. 386 § 1. O Bispo diocesano é obrigado a propor e explicar aos fiéis as verdades que se devem crer e aplicar aos costumes, pregando pessoalmente com frequência; cuide também que sejam observadas com diligência as prescrições dos cânones sobre o ministério da palavra, principalmente a homilia e a instrução catequética, a fim de que toda a doutrina cristã seja ministrada a todos.
Quanto à homilia proferida pelo pároco, o mesmo sendo aplicado ao administrador e ao vigário paroquial, cf. os cânones 540 e 543.
Cân. 528 § 1. O pároco tem a obrigação de fazer com que a palavra de Deus seja integralmente anunciada aos que vivem na paróquia; cuide, portanto, que os fiéis sejam instruídos nas verdades da fé, principalmente através da homilia, que deve ser feita nos domingos e festas de preceito, e mediante a instrução catequética que se deve dar. Estimule obras que promovam o espírito evangélico, também no que se refere a justiça social. Tenha especial cuidado com a educação católica das crianças e jovens. Procure com todo o empenho, associando a si o trabalho dos fiéis, que o anúncio evangélico chegue também aos que se afastaram da prática da religião ou que não professam a verdadeira fé.
Recorramos à intercessão de Nossa Senhora do Rosário de Fátima pela Igreja e pelo Brasil. Na sua aparição aos 13 de julho de 1917, Nossa Senhora disse aos pastorinhos: “Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará”.
Fontes:
https://www.fatima.pt/files/upload/fontes/F002_Memorias1.pdf
http://www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex- iuris-canonici_po.pdf
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/docum ents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
* Pe. Marcos Paulo Pinalli da Costa, Pároco em São João da Barra, Diocese de Campos-RJ e Mestrando em Direito Canônico pelo Instituto de Direito Canônico de Londrina-PR.