A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG-Cade) e o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF/RJ) assinaram, na última terça-feira (27), acordo de leniência parcial com a Andrade Gutierrez Engenharia S/A e com executivos e ex-executivos da empresa envolvidos no inquérito que investiga a formação de cartel em licitações realizadas pelo governo do Estado para obras de revitalização de lagoas e controle de enchentes de rios. A informação foi divulgada hoje (29) pelo Cade.
O acordo de leniência tem por objetivo obter informações e documentos que comprovem um cartel, bem como identificar os demais participantes na conduta. Já o acordo de leniência parcial pode ser firmado nos casos em que, na ocasião quando foi proposta, o Cade já tinha conhecimento da suposta infração denunciada, mas não dispunha de provas suficientes para assegurar uma condenação. A leniência parcial não confere, no âmbito do Cade, imunidade total aos signatários, tal como a leniência tradicional, mas lhes confere uma redução de um a dois terços da pena aplicada quando do julgamento final do caso pelo Tribunal do órgão.
O caso em questão já estava em investigação no Cade desde 2013, por meio de inquérito sigiloso que apurava os fatos noticiados por reportagem da revista Época de julho de 2013. A revista apontou indícios de sobrepreço, pelo menos, nas licitações do Complexo Lagunar e de mitigação de cheias no Norte e Noroeste Fluminense.
Por meio do acordo assinado nesta terça, a Andrade Gutierrez, seus atuais e ex-executivos confessaram participação na conduta, forneceram informações e apresentaram documentos probatórios a fim de colaborar com as investigações do alegado cartel.
O acordo foi negociado com o Cade por um período de dez meses e é relacionado exclusivamente à prática de cartel, para a qual o órgão possui competência de apuração. Já com o MPF/RJ foi negociada a colaboração premiada dos executivos e ex-executivos da empresa no âmbito de ação penal em curso na Justiça Federal no Rio de Janeiro.
De acordo com o Cade, as violações à ordem econômica consistiram em acordos de fixação de preços das propostas, condições e vantagens anticompetitivas; divisão de mercado entre concorrentes, por meio da formação de consórcios e apresentação de propostas de cobertura; e troca de informações concorrencialmente sensíveis, a fim de frustrar o caráter competitivo das mencionadas licitações públicas.
As empresas apontadas como participantes da suposta conduta são: Andrade Gutierrez Engenharia S/A, Carioca Christiani-Nielsen Engenharia S/A, Construtora Norberto Odebrecht S/A, Construtora OAS Ltda. e Construtora Queiroz Galvão S/A, além de, pelo menos, dez executivos e ex-executivos dessas empresas. Cabe ressaltar que os signatários da leniência parcial não identificaram a participação da Carioca Engenharia em irregularidades nas obras do Complexo Lagunar e da OAS nas obras de Mitigação de Cheias do Norte e Noroeste Fluminense.
Modus Operandi
A licitação do Complexo Lagunar diz respeito à recuperação e revitalização ambiental sustentável das quatro lagoas na Bacia da Jacarépaguá (lagoas de Jacarepaguá, Camorim, Tijuca e Marapendi), no município do Rio de Janeiro, enquanto a licitação de mitigação de cheias no Norte e Noroeste Fluminense diz respeito à contenção de enchentes do Rio Muriaé e Rio Pomba, que percorrem os municípios de Laje do Muriaé, Itaperuna, Italva, Cardoso Moreira e Santo Antônio de Pádua.
O Consórcio Complexo Lagunar, composto por Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão, venceu a licitação das obras do Complexo Lagunar, enquanto o Consórcio Norte Noroeste Fluminense, composto por Carioca e Odebrecht, venceu as obras de Mitigação das Cheias no Norte e Noroeste Fluminense. O grupo formado pelas cinco empresas, supostamente em conluio, teria se organizado de forma a dividir as obras entre si. Quando não eram vencedoras, as empresas apresentavam propostas de cobertura.
Os contatos entre os concorrentes se iniciaram, possivelmente, em meados de 2012, quando se teve a notícia de que a Secretaria de Estado de Ambiente realizaria as obras do Complexo Lagunar, e teriam durado, pelo menos, até maio de 2014, com a adjudicação do contrato relativo ao problema das cheias no norte e noroeste do estado.
Histórico da conduta e inquérito administrativo
Acompanha o acordo de leniência parcial um “Histórico da Conduta”, no qual a Superintendência-Geral do Cade descreve de maneira detalhada a prática anticompetitiva, conforme relatada pelos signatários e subsidiada pelos documentos probatórios apresentados. Em comum acordo, Cade, MPF-RJ e os signatários dispensaram a confidencialidade da leniência parcial.
Ao final do inquérito administrativo, cabe à SG-Cade decidir pela eventual instauração de processo administrativo, no qual são apontados os indícios de infração à ordem econômica colhidos e as pessoas físicas e jurídicas acusadas. Nessa fase, os representados no processo serão notificados para apresentar defesa e exercer suas garantias de contraditório e ampla defesa.
Durante a instrução, tanto os acusados quanto a SG-Cade podem produzir novos elementos de prova. Ao final da instrução, a Superintendência emite parecer opinativo pela condenação ou pelo arquivamento do caso em relação a cada acusado. As conclusões são encaminhadas ao Tribunal do Cade, responsável pela decisão final.
O julgamento final na esfera administrativa cabe ao Tribunal do Cade, que pode aplicar às empresas eventualmente condenadas multas de até 20% de seu faturamento. As pessoas físicas, caso identificadas e condenadas, sujeitam-se a multas de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões. O Tribunal também pode adotar outras medidas que entenda necessárias para a dissuasão da conduta.
Em nota, a Andrade Gutierrez informou que o acordo divulgado hoje pelo Cade está em linha com sua postura, desde o fechamento do acordo de leniência com o Ministério Público, de continuar colaborando com as investigações em curso. Além disso, a empresa afirma ainda que continuará realizando auditorias internas no intuito de esclarecer fatos do passado que possam ser do interesse da Justiça e dos órgãos competentes. A Andrade Gutierrez afirma ainda que acredita ser esse o melhor caminho para a construção de uma relação cada vez mais transparente entre os setores público e privado.
Já a Odebrecht está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. Já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um Acordo de Leniência com as autoridades brasileiras, da Suíça, República Dominicana, Equador e com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas. As demais empresas envolvidas no suposto esquema ainda não se pronunciaram.