Temperaturas elevadas, solo desgastado, falta de chuva e de mão-de-obra. Mesmo longe das condições ideais para qualquer plantação, resultados surpreendentes vêm sendo obtidos no cultivo de alimentos orgânicos no Noroeste Fluminense, região do estado com maior quantidade de terras degradadas. Há três anos, apenas nove agricultores vendiam produtos orgânicos. Hoje, 89 são credenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para realizar essa atividade – um aumento de mais de 10 vezes.
A movimentação do setor e a adoção de práticas agroecológicas são resultados do trabalho da Rede de Pesquisa, Inovação, Tecnologia e Serviços Sustentáveis – mais conhecida como Rede de Agroecologia, articulada desde 2012 pelo Rio Rural, programa da secretaria estadual de Agricultura. O grupo, coordenado pela Pesagro-Rio, conta com a participação de órgãos públicos e privados, como MAPA, Embrapa, Sebrae, Cedro (Cooperativa de Consultoria, Projetos e Serviços em Desenvolvimento Sustentável) e Emater-Rio.
Nos últimos três anos, a Rede de Agroecologia identificou e capacitou produtores que queriam substituir a produção convencional – com uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos – pela cultura orgânica, que utiliza processos naturais de nutrição vegetal. No Noroeste Fluminense, o destaque é a produção de hortaliças.
Rodeada por centenas de pés de salsinha, cebolinha, taioba e brócolis, Luciana Andrade não sente falta da agricultura convencional. “Só plantava couve e trabalhava no sol. Eu vendia tudo para o atravessador”, lembra a produtora de São José de Ubá.
Ela fez a transição para a produção orgânica por meio do sistema de mandala, em que a plantação toma o formato de um círculo. A recuperação do terreno, com solo empobrecido e cheio de pedras, se deu de forma lenta.
“Quando a terra é degradada, o trabalho de recuperação ambiental demora mais, pois é preciso devolver os nutrientes e, principalmente, matéria orgânica”, explica o consultor do Sebrae, João Batista dos Santos.
A produtora afirma que a espera valeu a pena, pois a produção foi diversificada – a preferência é pelo cultivo de hortaliças que rebrotam, já que ela trabalha sozinha e economiza tempo no plantio – e começou a ser vendida em feiras, além do fornecimento para a merenda escolar. “Ganhei independência financeira e me orgulho de ver a propriedade viva, com pássaros e insetos. Virou o meu oásis”, confessa.
Luciana Andrade é beneficiária de projetos do Rio Rural, entre eles a proteção de nascentes, que ajuda a manter a oferta hídrica para irrigar sua lavoura.
Certificação
Um alimento cultivado sem agrotóxicos ou adubos químicos não é, necessariamente, orgânico. O Ministério da Agricultura estabelece normas de produção para a concessão da certificação orgânica, entre elas, o uso de adubação natural e a construção de barreiras entre propriedades rurais, a fim de evitar que produtos químicos sejam espalhados pelo vento e atinjam lavouras orgânicas.
A certificação é importante para garantir ao consumidor a segurança na qualidade dos produtos que ele adquire. No caso dos agricultores familiares que fazem a venda direta ao consumidor, os produtos não precisam ter, obrigatoriamente, um selo. No entanto, para que os produtores provem a autenticidade dos alimentos – espécie de declaração de produção orgânica –, eles precisam fazer parte de uma Organização de Controle Social (OCS), entidade credenciada junto ao MAPA.
A organização é administrada pelos próprios produtores que, por meio de visitas às lavouras, fiscalizam uns aos outros, para observar se a legislação está sendo cumprida. No Noroeste, existem 11 dessas organizações. A comprovação garantida pela OCS também é importante para que os agricultores familiares orgânicos acessem programas institucionais de comercialização de alimentos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal.
Expansão
Para estreitar a relação com o público e promover o intercâmbio produtivo entre as cidades, os agricultores do Noroeste pretendem implantar na região um projeto semelhante ao Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, presente em 19 bairros da capital e Região Metropolitana do Rio.
“Melhorar a estratégia de comercialização é um desafio. A troca de experiências vai ser muito positiva. Na capital já deu certo”, sinaliza o agricultor de Varre-Sai, Jorge Luiz Martins. Os desafios e estratégias para evolução da cadeia de orgânicos do Noroeste são debatidos regularmente em seminários promovidos pela Rede de Agroecologia.
O secretário estadual de Agricultura, Christino Áureo, afirma que as ações do Rio Rural tendem a fortalecer cada vez mais a produção de alimentos saudáveis no interior fluminense. “O produtor tinha apenas vontade. Agora possui incentivo, conhecimento e assistência técnica. Orgânico é qualidade de vida no campo e na cidade”, enfatiza Áureo.
Para Ana Paula Pegorer, consultora do Rio Rural e uma das articuladoras da Rede de Agroecologia, o apoio dos municípios é essencial para a expansão do setor. “No Rio, 64 cidades têm produção orgânica, ou seja, 70% do estado. Quanto mais as prefeituras comprarem orgânicos na merenda escolar e ajudarem com espaço para feiras, mais o pequeno agricultor terá a oferecer”, defende.