Apesar da alta registrada no preço do leite nas últimas semanas em vários estados, isso não significa, necessariamente, que os produtores estão lucrando mais. Assim como acontece na cadeia produtiva de outros itens, quanto maior o caminho entre a produção e a venda, mais caro o produto se torna. Porém, no interior fluminense, o momento é de oportunidades. As cooperativas de leite formadas por agricultores familiares chega com uma nova visão de negócio, reduzindo custos, aumentando lucros e estabilizando o preço do leite que vai ser levado para casa pelos consumidores.
“Hoje, existe a figura do atravessador, que compra o leite do produtor e o vende para os laticínios. Após a industrialização, o laticínio vende ao supermercado, e este ao consumidor, com um preço muito mais alto. No sistema de cooperativa, é como se o produtor vendesse diretamente para a dona de casa. Sem o atravessador, o preço na gôndola cai”, explica Carlos Marconi, supervisor do escritório da Emater-Rio em Italva.
O próprio município de Italva, uma das maiores bacias leiteiras da região Noroeste Fluminense, é um exemplo da renovação da indústria leiteira. Antes, alguns produtores rurais locais vendiam o leite de forma isolada, com pouco poder de negociação diante dos compradores, as empresas de laticínios de outras cidades. Após algumas reuniões, perceberam que havia mercado mais rentável para o trabalho em grupo. Há quatro meses, 29 sócios fundaram a Cooperativa de Agricultura Familiar e Economia Solidária de Italva (Copafi).
Crescimento planejado
Sem capital ainda para adquirir uma sede própria, a Copafi começou apostando em parcerias para crescer. Temporariamente, a cooperativa funciona em um prédio da Emater-Rio, pois essa ação faz parte da estruturação da cadeia do leite, coordenada pelo Programa Rio Rural.
Enquanto moderniza seu parque industrial, a cooperativa envia 75% de sua arrecadação diária para processamento em uma indústria na região Serrana com a qual estabeleceu acordo comercial. Hoje, o iogurte e o leite em pó abastecem as escolas públicas de Italva, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Há um mês, o leite em saquinho, fabricado na sede da Copafi, começou a ser vendido em pequenos comércios e padarias. Como o caminho entre o produtor e consumidor final encurtou, o preço está competitivo. “Os clientes têm gostado e eu tenho aumentado os pedidos. A qualidade é boa. É bem melhor valorizar um produto local, pois chega bem fresco aqui”, comenta Henrique Mendel, proprietário de um mercadinho, em Italva.
A próxima meta dos cooperados é produzir queijo frescal e, aos poucos, investir na cadeia de produtos lácteos, como requeijão, doce de leite, entre outros. Para ajudar na comercialização, um carro refrigerado está sendo pleiteado por meio de um subprojeto grupal do Rio Rural. “Esse veículo irá nos ajudar a levar o leite para mercados mais distantes de Italva, pois assim podemos acondicionar o produto, mantendo sua qualidade”, explica o diretor financeiro da Copafi, Vanderson dos Santos.
Os produtores também estão animados com o projeto de ponto de venda ao público, que está sendo equipado na sede da cooperativa. Com o ponto de venda, a ideia dos cooperados é aproveitar o fluxo de pessoas que trafegam diariamente pela BR 356, já que esta rodovia federal é a principal ligação entre os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. “Queremos agregar valor aos nossos produtos para sermos referência regional. Isso trará benefícios enormes para o pequeno produtor. Aqui, os lucros são repartidos”, comenta o presidente da Copafi, Luís Carlos Barros.
Erivelton Morales está confiante nos projetos da cooperativa. “Mando 100% do meu leite para a cooperativa. Desde que nos juntamos, nosso preço de venda já melhorou. Com isso, terei recursos para comprar gado com qualidade genética e assim produzir mais leite”, comenta o produtor.
Os custos de produção também diminuíram. Os produtores passaram a fazer compras coletivas de insumos para alimentar os animais, como farelo de milho e soja. “Só em uma saca, a economia é de R$ 15. No fim do mês isso gera muita economia”, calcula o produtor Nilton Fernandes.
Atualmente, apenas os produtores da microbacia Valão Carqueja estão fornecendo leite para a Copafi. Com o crescimento programado da cooperativa, produtores de outras microbacias devem ser incorporados ao projeto até o ano que vem. Essa integração entre os trabalhadores rurais se fortaleceu durante as reuniões dos Conselhos Gestores das Microbacias (Cogems), em que as comunidades passaram a perceber o potencial da mobilização social.
Cenário favorável
Segundo a Emater-Rio, estado do Rio possui 22 mil produtores de leite e uma produção anual de quase meio bilhão de litros. Mesmo assim, a quantidade não é suficiente para abastecer o mercado interno. Com a entrada de novas cooperativas no setor, a tendência é diminuir a participação das compras de outros estados.
Além do Noroeste, a região Sul Fluminense também aponta para o cenário de fortalecimento desta cadeia. No mês passado, a Cooperativa Agropecuária de Nossa Senhora do Amparo, no município de Barra Mansa, voltou a funcionar. Apostando na mesma fórmula do Noroeste, os produtores também fornecem leite para a merenda escolar. São atendidos 22 mil estudantes de 73 escolas públicas.
As cooperativas familiares representam um ponto importante para o amadurecimento das comunidades rurais. “Existe demanda, existe gente capaz de produzir. Nosso papel é fazer o elo e dar incentivos para que os grupos possam começar a caminhada e depois andar sozinhos”, enfatiza o secretário estadual de Agricultura, Christino Áureo.
Em Italva e Barra Mansa, a maioria dos cooperados é beneficiária de ações do Rio Rural, tais como a aquisição de ordenhadeira mecânica, inseminação artificial do gado e pastejo rotacionado, sistema que fornece alimentação contínua para os animais. “Essa base propiciou o crescimento da produção leiteira individual. Juntos, eles perceberam que podiam conseguir mais. O consumidor ganha produto de qualidade e por um preço acessível. O produtor ganha mais porque a cooperativa é dele. A economia local ganha com o aquecimento da venda interna”, conclui Marconi.